FILOSOFIA E VIDA!!!!

A GAIA CIÊNCIA

A GAIA CIÊNCIA

(1.881 – 1.882)

 

“Moro em minha própria casa

Não imito ninguém

Rio-me de todos em mestres

Que nunca se riram de si”

Friedrich Nietzche

 

Este é o último trabalho da fase positiva de Nietzsche, apresentando-se a “aurora” e a “humano, demasiado humano”, pelo estilo leve, ameno e florido em que é composto.

Fora publicado a 1.882, sendo-lhe acrescida pelo próprio autor, cinco anos depois, um novo Capítulo, a mesma época de “para além do bem e do mal”, com ele compartilhando o estilo austero e crítico.

A expressão “Gaia Ciência” é uma alusão ao nascimento da poesia européia moderna que ocorreu na Provença do século XII.

Deriva do provençal, a língua usada pelos trovadores da literatura medieval, em que Gai saber ou Gaya Scienza corresponde à habilidade técnica e ao espírito livre requeridos para a escrita da poesia, ou “a alegre sabedoria”.

Em “para além do bem e do mal”, Nietzsche observa que “o amor como paixão – que é a especialidade européia. Foi inventada pelos poetas – cavaleiros provinciais, esses seres humanos magníficos e inventivos do Gai saber a quem a Europa deve tantas coisas e a quem quase inteiramente se deve ela própria”.

Nietzche, nos cinco capítulos que compõem o livro foi subdividido em 383 aforismos, nos quais ele expõe seus conceitos acerca de: arte, moral, história, política, conhecimento, religião, mulheres, guerras, ilusão e verdade.

É neste livro que Nietzsche expõe pela primeira vez suas teorias sobre o eterno retorno (formulado pelos estóicos gregos e considerado por Nietzsche como um símbolo supremo de toda afirmação da vida) e a morte de Deus (conceito com o qual Nietzsche lida com a nova fase do intelectualismo europeu do século XIX, sendo retratada no livro pelo diálogo de um louco com esclarecidos ateus – os quais representam toda a classe intelectual européia: cientistas, filósofos, eruditos e mesmo artistas, sobre o grandioso ato por eles cometido: o assassino do Deus Cristão e o  subseqüente niilismo que aflora nos mais sérios, por mais rigorosos que sejam na sua busca da verdade, citam frequentemente as palavras dos poetas para dar às suas idéias mais força e credibilidade.

E, no entanto, é mais perigoso para uma verdade se um poeta concorda com ela do que se ele a contradiz!

Porque como dizia Homero, “muitas mentiras contam os poetas” (84), assim disse Nietzsche.

 

O que é originalidade?

É defrontar com qualquer coisa que ainda não tem nome e que, por isso, não pode ainda ser mencionada.

A maioria das pessoas não consegue ver aquilo que não tem nome.

As pessoas originais são as que já deram ou tem capacidade para dar nome às coisas. (261)

Um pensador: é alguém que sabe como tornar as coisas mais simples do que aquilo que elas são na realidade. (189)

Os pensamentos: são as sombras dos nossos sentimentos, sempre mais escuros, mais vazios e mais simples. (179)

O egoísmo: para Nietzsche é a lei da perspectiva aplicada aos sentimentos. O que está mais próximo parece-nos maior e mais pesado, à medida que nos afastamos, o seu tamanho e peso diminuem.(162)

A mente desses intelectuais, resultado de uma perda de referências gerais à vida, as quais eram representadas diretamente pelo cristianismo e sua moral.

Nietzsche, neste livro refere-se a Zaratustra, um antigo profeta persa, criador da doutrina chamada Zoroastrismo, tornado por Nietzsche arauto de sua filosofia em seu mais vendido livro “Assim falou Zaratustra”.

Neste livro também é realçada as diferenças ideológicas e artísticas em relação a sua vida como seguidor de Arthur Schopenhauer.

Ele diz que a educação consiste no condicionamento de um indivíduo através da promessa de várias compensações e vantagens, de modo que ele exerça um modo de pensar e se comportar, logo torna-se um hábito, instinto de paixão os dominarão, para o bem geral mas, para sua própria desvantagem.

Segundo ele, somos vítimas das nossas virtudes, que nos transformam numa mera função do todo social.

Muitas vezes consideramos uma idéia mais verdadeira apenas porque há qualquer coisa de muito belo e divino no ritmo e na forma métrica do seu enunciado.

Não é divertido notar que até os filósofos tabela da multiplicação – um está sempre errado, mas com dois, começa a surgir a verdade.

Um não consegue provar o seu caso, mas dois são irrefutáveis. (260)

Onde começa o bem e acaba o mal?

Segundo Nietzsche o reino da bondade começa onde a nossa imperfeita percepção deixa de notar o “impulso do mal” porque se tornou demasiado subtil, a partir desse ponto, o sentimento de que entramos no reino da bondade excita os nossos impulsos que se sentem ameaçados e limitados pelos impulsos do mal: os sentimentos de segurança, de conforto, de benevolência.

Quanto mais imperfeita for a nossa percepção, maior será a extensão do bem.

É por este motivo que as pessoas comuns e as crianças gozam de uma boa disposição e também por essa razão que os grandes pensadores sofrem sempre de uma melancolia semelhante à de uma má consciência. (153)

Nietzsche acredita que os pesos de todas as coisas têm que ser novamente determinados. (269)

Ser livre para ele é não ter vergonha do que somos. (275)

Quando ele se refere a causa e efeito.

Diz que a ciência “explica”, mas, na realidade, apenas “descreve”.

Descobrimos uma sucessão múltipla onde o homem ingênuo e o investigador das civilizações mais antigas se apercebiam apenas de duas coisas: causa e efeito, como se costumava dizer.

E deduzimos: isto e isto têm de se dar primeiro para que depois se siga aquilo, mas, com isso não compreendemos absolutamente nada.

Em qualquer processo químico, por exemplo as transformações continuam tal como antes a aparecer como um milagre.

Operamos unicamente com coisas que não existem, com linhas como superfície, corpos, átomos, tempo divisíveis, espaço divisíveis.

Como seria possível sequer uma explicação, se traduzimos tudo primeiro numa imagem, na nossa própria imagem!

A verdade, temos à nossa frente um continuo, de que isolamos algumas partes.

Da mesma maneira que, num movimento nos percebemos apenas de pontos isolados e, portanto não vemos na realidade esse movimento, mas deduzimos que existe.

Um intelecto que vise a causa e o efeito como um contínuo e não a nossa maneira como parcelamento e fragmentação arbitrários, que vise o curso do acontecer, repudiaria o conceito de causa e efeito e negaria toda a condicionalidade.

 

A origem do nosso conceito de conhecimento

O que entendemos verdadeiramente por conhecimento?

Só isto algo de estranho deve ser transformado em algo de familiar.

E para nós, os filósofos, não é a nossa necessidade de conhecimento a mesma necessidade do que é conhecido, a vontade de no meio de tudo o que é estranho, fora do usual e duvidoso descobrir algo que já não nos perturbe?

Não será o instinto do medo que nos obriga a conhecer?

Quando os que buscam o conhecimento reencontram algo nas coisas sob as coisas ou por trás das coisas, que já é muito conhecido, como por exemplo, a tabuada, ou a lógica, ou as nossas vontades e apetites, que felizmente ficam logo?

Porque o que é familiar é conhecido?

O que é familiar é pelo menos mais facilmente conhecido do que é estranho.

Errado! O que é conhecido e habitual, é habitual é o mais difícil de reconhecer, isto é, de enxergar como problema, de interpretar como estranho, afastado, fora de nós.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

NIETZSCHE, Friedrich. Vida e obra Os pensadores. Editora Nova Cultural Ltda.

Heráclito

Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo. Segundo Heráclito, nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição.

Heráclito considerado por muitos como o mais importante dos pré-socráticos nasceu em Éfeso (C 545 – 480 A.C.) na Jônia, de família aristocrática.

Com Parmênides de Eléia pode ser tido como o fundador da filosofia: ambos colocaram os problemas e as soluções, as questões e as respostas, as interrogações e os impasses que definiram nos séculos seguintes, a reflexão filosófica.

No mesmo rio entramos e não entramos, somos e não somos.

A idéia mestra de Heráclito: não podemos entrar duas vezes no mesmo rio porque suas águas não são as mesmas, e nós não somos os mesmos.

O mundo é um fluxo ou mudança permanente de todas as coisas.

Heráclito acreditava na mutabilidade dos seres, um devir eterno.

A estabilidade é ilusão: o movimento, a multiplicidade em mudança é o real. Para ele a discórdia ou guerra é geradora da ordem: quente, frio, seco, úmido, dia, noite, vida, morte, as estações do ano, o fruto que vem da morte da flor, saúde e doença, belo e feio, grande e pequeno.

Para Heráclito o um é múltiplo e o múltiplo é um.

O mundo é a tensão dos contrários e essa multiplicidade tensa constitui a unidade do uno.

 

Parmênides de Eléia (540 – 470 a.C.)

Foi ele o primeiro filósofo a afirmar que o mundo percebido por nossos sentidos – e cosmos estudado pela cosmologia – é um mundo ilusório feito de aparências, sobre as quais formulamos nossas opiniões. Foi o primeiro a contrapor a esse mundo mutável (feito de mudanças perene dos contrários que se transformam uns nos outros) a idéia de um pensamento e de um discurso verdadeiro aquilo que é realmente ao ser.

O ser é diz Parmênides, com isso quis dizer que o ser é sempre idêntico a si mesmo, imutável, eterno, imperecível, invisível aos nossos sentidos e visível apenas para o pensamento.

Foi Parmênides, o primeiro a dizer que a aparência sensível das coisas da natureza, não possui realidade, não existe real e verdadeiramente, não é.

Contrapôs assim o ser (on) ao não ser (me on) declarando: o não ser não é. A filosofia é chamada por Parmênides de a via da verdade (aletheia) que nega realidade e conhecimento à via da opinião (doxa), pois esta se ocupa com as aparências, com o não-ser.

Parmênides também afirmava que o ser não muda porque não tem como e nem porque mudar e não tem no que mudar, pois se mudasse, deixaria de ser o ser tornando-se contrário a si mesmo, o não-ser.

Perceber é ver aparências.

Pensar é contemplar a realidade como idêntica a si mesma.

Pensar e contemplar o to on, o ser

Platão escreveu que para esse filósofo “Pánta rei” que é Heráclito, ele afirma que tudo flui, tudo passa, tudo se move sem cessar. A vida e transforma em morte, a morte em vida, o mundo é um perpétuo renascer e morrer, rejuvenescer e envelhecer. Nada permanece idêntico a si mesmo.

Platão considerou que Heráclito tinha razão no que se refere ao mundo material e sensível, mundo das imagens e das opiniões. A matéria diz Platão é por essência e por natureza, algo imperfeito que não consegue manter a identidade das coisas mudando sem cessar, passando de um estado a outro contrário ou oposto.

O mundo material ou de nossa experiência sensível e mutável.

O objeto do agir humano.

A primeira pergunta é sobre o que é o bom ou o bem. Se o livro inicia com o questionamento, há também uma afirmação: todo o indivíduo, assim como toda ação e toda escolha, tem em mira um bem e este bem é aquilo a que todas as coisas tendem.  O fim de nossas ações é o Sumo Bem, mas, como o conhecimento de tal fim tem grande importância para nossa vida, devemos determiná-lo para saber de qual ciência o Sumo Bem é objeto.

Tal ciência é a ciência mestra (que é a Política) e seu estudo caberá à Ética.  É objeto da política porque as ações belas e justas admitem grande variedade de opiniões, podendo até ser consideradas como existindo por convenção, e não por natureza.  O fim que se tem em vista não é o conhecimento do bem, mas a ação do mesmo; e esse estudo será útil àqueles que desejam e agem de acordo com um princípio racional, por isso não será útil ao jovem que segue suas paixões e não tem experiência dos fatos da vida.

Mas, se todo o conhecimento e todo trabalho visam a algum bem, qual será o mais alto de todos os bens?  O fim certamente será a felicidade, mas o vulgo não a concebe da mesma forma que o sábio.  Para o vulgo, a felicidade é uma coisa óbvia como o prazer, a riqueza ou as honras;  aqueles que identificam a felicidade com o prazer vivem a vida dos gozos; a honra é superficial e depende mais daquele que dá do que daquele que recebe; a riqueza  não é o sumo bem, é algo de útil e nada mais.

Dessa forma, devemos procurar o bem e indagar o que ele é.  ora, se existe uma finalidade para tudo o que fazemos, a finalidade será o bem. A melhor função do homem é a vida ativa que tem um princípio racional. Consideramos bens aquelas atividades da alma, a felicidade identifica-se com a virtude, pois à virtude pertence a atividade virtuosa. No entanto, o Sumo Bem está colocado no ato, porque pode existir um estado de ânimo sem produzir bom resultado:

“Como no homem que dorme ou que permanece inativo; mas a atividade virtuosa, não: essa deve necessariamente agir, e agir bem”[1].

Sendo a felicidade a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo e tendo-na identificado como uma atividade da alma em consonância com a virtude, não sendo propriamente a felicidade a riqueza, a honra ou o prazer, etc; a felicidade necessita igualmente desses bens exteriores, porque é impossível realizar atos nobres sem os meios:

“O homem feliz parece necessitar também dessa espécie de prosperidade; e por essa razão, alguns identificam a felicidade com a boa fortuna,  embora outros a identifiquem com a virtude”[2].

Por isso, pergunta-se se a felicidade é adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou adestramento;  se é conferida pela providência divina ou se é produto do acaso.  Se é a felicidade a melhor dentre as  coisas humanas, seguramente é uma dádiva divina – mesmo que venha como um resultado da virtude, pela aprendizagem  ou adestramento, ela está entre as coisas mais divinas.  Logo, confiar ao acaso o que há de melhor e mais nobre, seria um arranjo muito imperfeito. A felicidade é uma atividade virtuosa da alma;  os demais bens são a condição dela, ou são úteis como instrumentos para sua realização.

 

 As virtudes

Há duas espécies de virtudes: as intelectuais e as morais. As virtudes intelectuais são o resultado do ensino, e por isso precisam de experiência e tempo; as virtudes morais são adquiridas em resultado do hábito, elas não surgem em nós por natureza, mas as adquirimos pelo exercício, como acontece com as artes:

“(…) os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo seus instrumentos. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos”[3]

Também pelas mesmas causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói toda a virtude, assim, como a arte: “de tocar o instrumento surgem os bons e os maus músicos”.

Com as virtudes dá-se o mesmo.  É pelos atos que praticamos, nas relações com os homens, que nos tornamos justos ou injustos. Por isso, faz-se necessário estar atento para as qualidades de nossos atos; tudo depende deles, desde a nossa juventude existe a necessidade de habituar-nos  a praticar atos virtuosos.

Ao nosso estudo, não interessa tanto investigar o que é a virtude, mas, estudar a virtude para tornar-nos bons. Mas consideremos que em nossa natureza o excesso e a falta são destrutivos:

“Tanto a deficiência como o excesso de exercício destróem a força; e da mesma forma, o alimento e a bebida que ultrapassam determinados limites, tanto para mais como para menos, destróem a saúde”[4]

Também nas virtudes, o excesso ou a falta são destrutivos, porque a virtude é mais exata que qualquer arte, pois possui como atributo o meio-termo – mas é em relação à virtude moral; é ela que diz respeito a paixões e ações, nas quais existe excesso, carência e meio-termo.   O excesso é uma forma de erro, mas, o meio termo é uma forma digna de louvor;  logo, a virtude é uma espécie de mediana.

Conquanto, cabe frisar que é meio-termo  entre dois vícios, um por excesso  e outro por falta. Mas, nem toda ação e nem toda paixão admitem meio-termo; há algumas ações ou paixões que implicam em maldade, como a inveja.  Elas são más em si mesmas, nelas não há retidão, mas erro.  É absurdo procurar meio-termo em atos injustos;  do excesso ou da falta, não há meio-termo.

Como nossa tarefa de estudo das virtudes tem como resultado a ação, e não o conhecimento da virtude,  é necessário frisar a prática dos atos. É pela prática dos atos justos que se gera o homem justo, é pela prática de atos temperantes que se gera o homem temperante;  é através da ação que existe a possibilidade de alguém tornar-se  bom:

“Mas a  maioria dos homens não procede assim. Refugiam-se na teoria e pensam que estão sendo filósofos e se tornarão bons dessa maneira.  Nisso se portam  como enfermos que escutassem  atentamente seus médicos, mas não fizessem  nada do que estes lhe prescrevem”[5].

 A estrutura do ato moral.

A virtude relaciona-se com paixões e ações, mas, um sentimento ou uma  ação pode ser voluntária ou involuntária.  Às paixões ou ações voluntárias dispensa-se louvor e censura, enquanto as involuntárias merecem perdão e, às vezes, piedade; por isso, é necessário distinguir entre o voluntário e involuntário.  São involuntárias aquelas ações que ocorrem sob compulsão e ignorância, é compulsório ou forçado aquilo em que o princípio motor está fora de nós e para tal em nada contribui a pessoa que age ou sente a paixão.  Há atos  praticados para evitar males maiores:

“Se um tirano ordenasse a alguém um ato vil e esse, tendo pais e filhos em poder daquele, praticasse o ato para salvá-los de serem mortos”[6]

Tais atos assemelham-se aos voluntários pelo fato de serem escolhidos, e o princípio motor estar no agente, por estar na pessoa fazer ou não fazer. Ações de tal espécie são voluntárias, mas, em abstrato talvez sejam involuntárias, já que ninguém as escolheria por si mesmas.  As ações são forçadas quando as causas encontram-se externas ao agente e ele em nada contribuiu.  O voluntário parece ser aquilo cujo motor se encontra no próprio agente que tenha conhecimento das circunstâncias particulares do ato.

Também o ato de escolher parece ser voluntário, mas não se identifica ao voluntário porque seu conceito é mais extenso. Os atos praticados sob o impulso do momento podem ser voluntários, mas não escolhidos, a escolha não é comum às criaturas irracionais pois essas agem segundo seu apetite; a escolha envolve um princípio racional e o pensamento, ela é aquilo que colocamos diante de outras coisas.

O objeto da escolha é algo que está em nosso alcance e este é desejado após a deliberação. A escolha é, portanto, um desejo deliberado.  Mas como o fim é aquilo que desejamos e o meio aquilo que deliberamos e escolhemos, as ações devem concordar com a escolha e serem voluntárias.  O exercício da virtude  diz respeito aos meios, logo, a virtude está em nosso poder de escolha.  Em outras palavras, podemos escolher entre a virtude e o vício, porque se depende de nós o agir, também depende o não agir.  Depende de nós praticarmos atos nobres ou vis, ou então, depende de nós sermos virtuosos ou viciosos: “(…) O homem é um princípio motor e pai de suas ações como o é de seus filhos”[7].

Os atos que  encontram-se em nós, também devem estar em nosso poder e serem voluntários.  É pelo exercício de atividades sobre objetos particulares que se formam as disposições de caráter. Não menos irracional é supor que um homem  que age injustamente não deseja ser injusto, ou aquele que corre atrás de todos os prazeres não deseja ser intemperante:

“Podemos supor o caso de um homem que seja enfermo voluntariamente, por viver na incontinência e desobedecer os seus médicos. Nesse caso, a princípio dependia dele o não ser doente, mas agora não sucede assim, porquanto virou as costas à sua oportunidade. Tal como para quem arremessou uma pedra, já não é possível recuperá-la; e contudo, estava em nosso poder não arremessar, visto que o princípio motor encontrava-se no agente”[8].

O mesmo acontece com os vícios, que a princípio dependiam dos homens não se tornarem viciosos, mas foi por sua própria vontade e escolha que tornaram-se assim.  Agora, já não é possível ser diferente.  Fica esclarecido que as virtudes são voluntárias, porque somos senhores de nossos atos se conhecemos as circunstâncias, e estava em nosso poder o agir ou o não agir de tal maneira.  Os vícios também são voluntários, porque o mesmo se aplica a eles.

 

  As  Virtudes  Morais:

01. A coragem[9]

(andrêia)- é meio-termo  em relação ao sentimento de medo e de confiança.

As coisas que tememos são terríveis e as qualificamos  como males. Nós tememos todos os males, e temer certas coisas é até justo e nobre – é vil não temê-las.  A pobreza ou a doença não devemos temer, nem aquelas coisas que procedem do vício ou aquelas que não dependem de nós; é  covarde aquele que não suporta os insultos ou a inveja como deve.  A bravura relaciona-se com as coisas mais nobres como a morte na guerra, e bravo é aquele que  se mostra destemido em face a uma morte honrosa.

Os bravos, embora temam aquelas coisas que estão acima das forças humanas, caracterizam-se por enfrentá-las como se deve.  Mas aquele que diz não ter medo, que é insensível ao que realmente é terrível, é o homem temerário; ele é um simulador de coragem, porque deseja parecer corajoso. Em contrapartida, aquele que excede no medo é covarde, porque ele teme o que não deve temer, falta-lhe confiança e é dado ao desespero por temer certas coisas.

A covardia e a temeridade são a carência e o excesso e a posição correta é a bravura.

 A Temperança[10] 

(Sofrosíne)- é o meio-termo em relação aos prazeres e dores. 

As espécies dos prazeres com que se relaciona são os prazeres corporais. Mas não se relaciona aos objetos da visão, nem da audição ou do olfato.  A temperança e a intemperança relacionam-se aos prazeres do tato e do paladar.

Ao intemperante somente interessa o gozo do objeto em si, no comer e beber e na união dos sexos. Por causa dos prazeres, a intemperança é, dentre os vícios, a mais difundida; e é motivo de censura porque nos domina, não como homens, mas como animais.

O apetite é natural, mas o engano é o excesso.  Os intemperantes excedem com o que não devem, e mais do que devem.

O excesso em relação aos prazeres é intemperança e  é culpável, porque, nesse estado, somos levados pelo apetite. O temperante, que ocupa a posição mediana, não aprecia o que não deve, nem nada disso em excesso.  Os apetites devem ser poucos e moderados, e não podem opor-se, de modo algum, ao princípio racional.  No homem temperante, o elemento apetitivo harmoniza-se ao racional, o que ambos tem em mira é o nobre.

  A Liberalidade[11] 

( Eleuteriótes)- é o meio-termo no dar e no receber dinheiro.  O excesso é a prodigalidade e a deficiência é a avareza.

O homem liberal é louvado no tocante a dar e receber riquezas, mas é especialmente louvado  aquele que sabe dar suas riquezas.  O avarento quer o dinheiro mais do que deve e o pródigo esbanja a riqueza com seus prazeres.  Quem melhor usa a riqueza é aquele que possui a virtude a ela associada:  o homem liberal.

O homem liberal dá as quantias que convém, às pessoas que convém e na ocasião que convém,  com todas as demais condições que acompanham a reta ação de dar, com prazer e sem dor.  A liberalidade é uma disposição de caráter daquele que dá.

A avareza é deficiente no dar e excede no receber;  a prodigalidade excede no dar e no não receber, esses não tardam em exaurir suas posses porque dão em excesso.

  A Magnificência[12] 

(Megaloprépeia)- é um meio-termo quanto ao dinheiro dado em grandes quantias; o excesso é a vulgaridade  e o mau gosto, a deficiência é a mesquinhez.

É uma virtude relacionada com a riqueza, mas se estende apenas às ações que envolvem gastos.  A magnificência é um gasto apropriado de grandes quantias, logo, ela deve ser apropriada ao agente e às circunstâncias.

Sendo os gastos do homem magnificente vultuosos e apropriados, tal serão os seus resultados.  Um grande dispêndio com  grandes resultados.  A magnificência é um atributo dos gastos honrosos, como os que se relacionam a ofertas, construções e sacrifício aos deuses.  Por isso o homem pobre não pode ser magnificente, porque não tem os meios de sê-lo.

A deficiência a essa disposição de caráter é a mesquinhez;  este fica aquém da medida em tudo,  em tudo o que faz estuda a maneira de gastar menos e lamenta até o pouco que tem.

O excesso é a vulgaridade, porque gasta além do que é justo.  Por exemplo, dá um jantar de amigos na escala de um banquete de núpcias.

O Justo Orgulho[13]

(Megalopskhia)- é o meio-termo em relação à honra e à desonra.  O excesso é a ‘vaidade oca’ e a deficiência é a humildade indébita.

O Justo Orgulho também pode ser chamado Magnanimidade ou Respeito Próprio. O homem magnânimo é aquele cujos mérito e pretensões são igualmente elevados, por isso essa virtude pressupõe outras, realçando-as. O homem magnânimo reclama a honra, mas aquela honra conferida ao homem bom lhe dará apenas prazer moderado,  porque o Justo Orgulho relaciona-se com a honra em grande escala.

Ele é um extremo com respeito à grandeza de suas pretensões, mas é meio-termo na justiça de suas pretensões.  O objetivo do homem magnânimo é a honra, e a respeito dela que ele é como deve ser.

O que fica aquém é o homem indevidamente humilde, que sendo digno de coisas boas, rouba de si o que merece e não se julga digno de coisas boas. Aqueles que ultrapassam a medida são vaidosos; todos que ignoram a si mesmos, aventuram-se a honrosos empreendimentos sem serem dignos para tal e logo fracassam.

Anônimo[14]

O homem que excede no desejo à honra é o ambicioso (Afilotimia), o que fica aquém é desambicioso (Filotimia), o intermediário é o Anônimo.

A honra pode ser desejada mais  ou menos do que se convém, ou da maneira e das fontes que se convém.  O homem ambicioso deseja a honra mais que convém, o desambicioso não quer se honrado e fica aquém da medida.

A esta disposição de caráter o que se louva é um meio-termo no tocante à honra.

A Calma[15] 

(Praótes)- é o meio-termo em relação à cólera; aquele que excede é o irascível, o que fica aquém é o pacato.

Louva-se o homem que se  encoleriza justificadamente, tal homem tende a não deixar-se perturbar nem guiar-se pela paixão, mas ira-se da maneira, com as coisas e no tempo prescrito.

A deficiência é a pacatez, e essas pessoas não se encolerizam com coisas que deveriam excitar sua ira; também são chamados de tolos e insensíveis.

O excesso é o homem irascível, que encoleriza-se com coisas indevidas e mais do que convém.

 A Veracidade[16]

(Alétheia)- é o meio-termo no tocante à verdade, o exagero é a jactância e o que a subestima é a falsa modéstia.

. A Pessoa Espirituosa ou Espírito[17]

(Eutrapelia)- é o meio-termo na aprazibilidade no proporcionar divertimento.  O excesso é a chocarrice e a deficiência a rusticidade.

 A Amabilidade[18] 

(Filía)- é o meio-termo na disposição de agradar a todos de maneira devida e amável;  o excesso é o obsequioso se não tiver propósito,  e lisonjeiro se visa a um interesse próprio;  a deficiência é a pessoa mal humorada.

  A Modéstia[19]

(Aidémôón)- é o intermediário nas paixões e relativo a elas;  aquele que excede é o acanhado  e este se envergonha de tudo, enquanto aquele que mostra deficiência é o despudorado e não se envergonha de coisa alguma.

A Justa Indignação[20]

(Némesis)- é o meio-termo entre a inveja e o despeito, e refere-se à dor ou prazer da boa ou má fortuna dos outros.  O excesso é a inveja, e a deficiência é o despeito.

A Justiça[21]

(Dicaiosíne)- nela faz-se necessário distinguir as duas espécies e mostrar em que sentido cada uma delas é um meio-termo.

A justiça é a disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo e a desejar o que é justo.  Dessa forma, a justiça é uma virtude completa ou é muitas vezes considerada a maior das virtudes. É uma virtude completa por ser o exercício atual da virtude completa, isto é, aquele que a possui pode exercer sua virtude sobre si e sobre o próximo. Por isso se diz que somente a justiça, entre todas as virtudes, é o bem do outro, visto que  é  possível fazer o que é vantajoso a um outro.  O melhor dos homens é aquele que exerce sua virtude para com o outro, pois essa tarefa é a mais difícil.

Há dois tipos de justiça,  uma que se manifesta na distribuição das honras, de dinheiro entre aqueles que tem parte na constituição; e outra, que tem um papel corretivo nas transações entre os indivíduos; ela se divide em transações voluntárias e involuntárias.

Há quem defenda outro tipo de justiça,  que não se enquadra nas citadas acima,  que seria a reciprocidade.  A reciprocidade não é justiça, porque pagar o mal com o mal ou o bem com o bem faz parte das ações dos cidadãos, e não caracteriza o agir justo, salvo em alguns casos.

A justiça política divide-se em natural e legal.  A natural é aquela que tem a mesma força em toda parte; a legal é a justiça estabelecida. Alguns pensam que toda justiça é estabelecida porque há alterações nas coisas percebidas como justas, e se fossem naturais, teriam que ser imutáveis, como o fogo que arde em toda a parte.  No entanto, ambas as espécies de justiça são mutáveis, as coisas justas por convenção assemelham-se a medidas, que não são iguais em toda parte.

No tocante à justiça, cabe destacar que é o caráter voluntário ou involuntário que determina o justo.  O homem somente é justo quando age de maneira voluntária, e se age involuntariamente não é justo nem injusto, a não ser por acidente.

 

  As Virtudes intelectuais

A alma humana possui duas partes: a que tem um princípio racional e a privada de razão.   A parte racional da alma se divide em científica (direcional ou prática) e calculativa (especulativa e teórica). A calculativa é uma parte da alma que concebe um princípio racional, ela versa sobre coisas universais e teóricas, que não podem ser a não ser aquilo que são.  O objeto da parte calculativa é a verdade, logo, para o conhecimento especulativo o bem se identifica com o verdadeiro e o mal com o falso.

A alma possui três elementos: a sensação, a razão e o desejo[22].  A sensação não controla a ação, e isto pode ser percebido nos animais que têm sensação, mas não produzem ação.  A razão e o desejo determinam a ação, entretanto, de modo diferente, já que a virtude moral é uma disposição para a escolha; contudo, ela envolve o desejo por um fim e a razão descobre os meios próprios para esse fim:

“A origem da ação é a escolha, e da escolha é o desejo e  o raciocínio com um fim em vista. Eis aí por que a escolha não pode existir nem sem razão nem sem intelecto, nem sem uma disposição moral”[23].

O puro pensamento nada anima, somente possui um poder animador assim dirigido para um fim; o homem, visto como um autor de ação, é uma união do desejo com a razão. A virtude de uma e de outra, devem constituir-se aquilo que permite chegar à verdade.

As disposições, pelas quais a alma possui a verdade, são cinco: a arte, o conhecimento científico, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão intuitiva[24].

1. O conhecimento científico(episteme)

Seu objeto é o necessário e eterno; toda ciência pode ser ensinada e seu objeto aprendido. O conhecimento científico é um estado que nos torna capaz de demonstrar, é quando um homem tem certa espécie de convicção, além de conhecer os pontos de partida, que possui conhecimento científico.  É uma disposição em virtude da qual demonstramos.

2.  A Arte (tekné)- 

É idêntica a uma capacidade de produzir que envolve o reto raciocínio.  Toda arte visa a geração e se ocupa em inventar e em considerar as maneiras de produzir alguma coisa que tanto pode ser como não ser, e cuja origem está no que produz, e não no que é produzido. A arte não se ocupa  nem com as coisas que são ou que se geram por necessidade, nem  com as que fazem de acordo com a natureza. A arte é uma questão de produzir e não de agir.

3.   A Sabedoria Prática (phrónesis)- 

É  característica de um homem  que delibera bem sobre o que é bom e conveniente para ele. Mas o homem com essa sabedoria não procurar coisas boas somente para si, mas sabe deliberar sobre aquelas  coisas que contribuem para a vida boa em geral.

A sabedoria pratica é uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem.

4.  A Razão Intuitiva (nõus)-

Consiste aquilo pelo qual aprendemos as últimas premissas de onde parte a ciência; ela aprende os primeiros princípios.  Seu método é a indução, que apreende a verdade universal e a partir disso aparece como evidente a si.

5.  Sabedoria Teorética. (sofia)-  

A sabedoria é a razão intuitiva combinada com o conhecimento científico, orientada para objetos mais elevados.  É, dentre as formas de conhecimento, a mais perfeita; superior à sabedoria prática que tem como objeto as coisas humanas  e diz respeito à ação; deveríamos possuir ambas as espécies de sabedoria, mas de preferência a sabedoria teorética.

Depois de haver classificado as virtudes intelectuais, tentaremos uni-las em torno de um objetivo comum:

“Ora, todas as disposições que temos considerado convergem, como era de se esperar,  para  o mesmo ponto, pois quando falamos de discernimento, de inteligência, de sabedoria prática, e de razão intuitiva, atribuímos às mesmas pessoas a posse do discernimento, o terem alcançado a idade da razão, e serem dotados de inteligência e de sabedoria prática”[25].

Todas essas faculdades giram em torno de coisas imediatas, e o homem inteligente é aquele capaz de julgar as coisas com que se ocupa a sabedoria prática.  Pois não só o homem dotado de sabedoria prática deve ter conhecimento dos fatos particulares, mas também a inteligência e o discernimento versam sobre coisas a serem feitas; a razão intuitiva  também ocupa-se de coisas imediatas.

Aristóteles volta-se agora ao problema da utilidade da sabedoria teorética e prática. Neste contexto surgem três questões.

1º: Já que a sabedoria filosófica  não considera nenhuma das coisas que tornam o homem feliz, e a sabedoria prática, embora trate dessas coisas, para que precisamos dela?  A sabedoria prática é uma disposição da mente e é característica de um homem bom e não nos tornamos mais capazes de agir pelo fato de conhecê-las.  

Se dissermos que o objetivo da sabedoria prática é tornar o homem bom, ela não terá nenhuma utilidade para aqueles que já são bons:

… e, por outro lado, de nada serve ela (sabedoria prática) para os que não possuem virtude. Com efeito, nenhuma diferença faz que eles próprios tenham sabedoria prática ou que obedeçam a outros que a têm, e seria suficiente fazer o que costumamos fazer com respeito à saúde: embora desejemos gozar saúde, não nos dispomos por isso a aprender a arte da medicina”[26].

2º: Pois, quanto aos que não são bons, esses podem consultar um homem sábio, da mesma maneira como procedemos com o médico, em vez de tentarem eles serem sábios? 3º: Será que a sabedoria filosófica, sendo inferior à prática, tem autoridade sobre a última?

A resposta é: 1º- Ambas as formas de sageza produzem felicidade, simplesmente pelo fato de serem virtudes:

“Antes de tudo, diremos que essas disposições de caráter devem ser dignas de escolha porque são virtudes das duas partes da alma respectivamente, e o seriam ainda que nenhuma delas produzisse o que quer que fosse”[27].

2º- Elas, de fato, produzem algo, não como a arte médica produz saúde, mas como a saúde produz saúde. Assim a sabedoria filosófica produz felicidade, porque é parte da virtude inteira:

Ambas as formas de sageza produzem felicidade, pois são a sua causa formal, distinta da causa eficiente”[28].

3º- A sabedoria prática leva-nos a escolher o melhor fim a atingir, também a escolher os justos meios; no entanto, a sabedoria prática não pode existir independente da virtude. o fim que nos propomos alcançar, seja bom ou mau, não consiste numa sabedoria prática, mas  na inteligência. Mas, desde que o fim seja justo, e isso é tarefa da virtude, a inteligência transforma-se em sabedoria prática:

“Por outro lado, a obra de um homem só é perfeita quando está de acordo com a sabedoria prática e com a virtude moral; esta faz com que seja reto o nosso propósito; aquela, com que escolhamos os devidos meios”[29].

Podemos estabelecer outra relação entre os dois problemas: 1- que a virtude não é simplesmente uma sabedoria (como sustentava Sócrates), mas implica a sabedoria prática.  2- embora as virtudes naturais possam existir isoladas umas das outras,  as virtudes morais não, pois qualquer virtude moral implica uma sabedoria prática, e esta implica todas as virtudes:

… e desta forma podemos refutar o argumento dialético de que as virtudes existem separadamente uma das outras, e o mesmo homem não é perfeitamente dotado pela natureza para todas as virtudes, de modo que poderá adquirir uma delas sem ter ainda adquirido outra. Isso é possível no tocante às virtudes naturais, porém não aquelas que levam a qualificar um homem incondicionalmente de bom; pois a presença de uma só qualidade, a sabedoria prática, lhe serão dadas todas as virtudes”[30].

A relação entre a sabedoria moral com a intelectual é estabelecida de modo abreviado. É verdade que é a sabedoria prática que determina os estudos em qualquer estado, mas ao fazê-lo ela não procede em vista da sabedoria teorética, mas em  vista de seus interesses:

“Mas nem por isso domina ela a sabedoria filosófica, isto é, a parte superior de nossa alma, assim como a arte médica não domina a saúde, mas fornece só meios de produzi-la”[31].

 

 


[1] EN  I, 8 – 1099a

[2] EN  I, 8-1099 b

[3]  E.N.   II, 1 – 1103 b

[4]  EN   II, 2 –1104 a

[5] E.N. II, 4 – 1105 b

[6] E.N. II, 1 – 1110 a

[7] E.N.  III, 5 – 1113 b  15.

[8] E.N.  III,  5 – 1114 a   15

[9] E.N. III 6-9;  1115a /5 – 1117b/ 20

[10] E.N.  III, 10-12;  1117b/ 25 – 1119b/ 20

[11] E.N.  IV 1; 1119b/ 15 – 1122a/ 15

[12] E.N. IV  2;  1122a/ 20  – 1123a/ 30

[13] E.N.  IV 3;  1123a/35  –  1125a /35

[14] E.N.  IV  4;  1125b /1  –  1125b /25

[15] E.N. IV 5;  1125b /30  –  1126b /10

[16] E.N. IV 7-8; 1127a /15  –  1128b /5

[17] E.N. II 7;  1108a / 25

[18] E.N. II 7;  1108a / 30

[19] E.N. II 7;  1108a / 35

[20] E.N. II 7;  1108a / 35  –  1108b / 5

[21] EN, V  1-11;  1129a / 5  –  1138b / 15

[22] E.N. VI, 2; 1139a 20

[23] E.N. VI, 2; 1139a 30-35.

[24] E.N. VI, 3; 1139b 15

[25] E.N. VI, 11;  1143a 25

[26] E.N.  VI, 12; 1143b 30

[27] E.N.  VI, 12; 1144a

[28] E.N.  VI, 12; 1144a 05

[29] E.N.  VI, 12; 114a  10

[30] E.N.  VI, 13; 1144b 35 – 1145a

[31] E.N.  VI, 13; 1145a  10

1. VIDA E OBRA

Aristóteles nasceu em 384 a.C. na cidade grega de Estagira (hoje Stavros), na península da Calcídia, então dominada pelos macedônios. Era filho de Nicômaco, médico da corte do rei Macedônico Amintas II. Seus pais morreram cedo e Aristóteles foi, segundo a tradição, criado por um tio da cidade de Atarneu, colônia Grega situada na Ásia Menor.

Aristóteles manteve sempre laços muito estreito com a corte tendo o destino pessoal marcado pelos sucessos e azares do Império Macedônico.

Com 25 anos, publica o primeiro trabalho, ao mesmo tempo em que é encarregado dos primeiros cursos de retórica e, depois, de moral.

 

1.1 Contexto Filosófico

A Filosofia Aristotélica ganha maior dimensão quando percebemos que toda ela foi construída em resposta a importantes questões discutidas na Grécia.

Para podermos bem compreender o significado de sua argumentação, é necessário não perder de vista seus principais interlocutores. Os interlocutores de Aristóteles em sua investigação sobre a verdade foram:

  • Ø   Os pré-socráticos, a quem ele chama de “físicos” e que tem como preocupação central os temas ligados ao princípio do movimento natural (physis) e cujo discurso aparece ainda fortemente contaminado por elementos míticos.

  • Ø   Os sofistas, contra os quais Aristóteles constrói grande parte de sua argumentação sobre a ciência e a linguagem, em defesa de um saber que supera a relatividade das opiniões e que são os primeiros a desenvolver os discursos jurídicos – Político característico da polis democrática.

  • Ø   Os filósofos platônicos, aos quais podemos acrescentar as escolas Eleática e Pitagórica, pois com eles se inicia a grande metafísica, tradição retomada e ampliada por Aristóteles e a grande tradição da ciência, tal como se desenvolve no ocidente.

Quando tinha 50 anos retorna suas aulas.

É nesse período de transação, durante o qual escreve as duas grandes éticas: a Ética a Eudemo e a Ética a Nicômaco.

Dentre os escritos acromáticos conhecidos pelo nome genérico de Corpus Aristotelicum temos:

 

Sobre a Lógica – categorias tópicos, refutação sofistica. Primeiros analíticos sobre a interpretação.

São conhecidos pelo nome geral de Organon (instrumento). Esses elementos têm como função analisar a estrutura do pensamento e da linguagem, as figuras do raciocínio, os princípios do método dialético e o método analítico, numa tentativa de transformar a linguagem usual em instrumento rigoroso.

 

Sobre a Física – Física sobre o céu, sobre a geração e corrupção meteorológica.

Desses, o mais importante é sem dúvida a física, onde são estudados os movimentos dos entes naturais e a estrutura do Universo, combatibilizando-os com a ordem que rege todas as coisas.

 

Sobre a Biologia – História dos animais, sobre as partes dos animais, sobre a alma e diversos outros pequenos tratados conhecidos como parva natural.

O mais importante é o tratado sobre a alma.

Aristóteles estuda os seres vivos e faz importante registro de uma série de características dos animais.

Aristóteles tem todo cuidado e rigor na observação sobra a natureza.

 

Sobre a Metafísica

A Metafísica é a obra central do pensamento aristotélico com imensas repercussões no campo da filosofia ate hoje.

Nela Aristóteles descreve a sua concepção do ser, sua estrutura, suas causas, seus gêneros e espécies.

A Metafísica é considerada como a primeira ciência a se si mesmo fornece o fundamento a todas as demais ciências.

O nome “metafísica” não for criado por Aristóteles.

Era designada como sabedoria (sophia) ora como teologia.

A origem do nome às vezes é atribuída a simples catalogação da obra, que na primeira edição figurava logo “depois” (meta) da física, outras o próprio conteúdo, pois o lucro procura esboçar uma concepção do ser “para além” (meta) de sua separação em natural ou divino, temporal ou terreno, composto ou simples.

 

Sobre a Ética

A Ética a Nicômaco, teria surgido cerca de dez anos depois, do escrito da Ética a Eudemo.

Na Ética a Nicômaco, Aristóteles discute as várias concepções do bem, da virtude e da felicidade e traça a sua própria concepção da virtude como média e da felicidade como plenitude (eudaimonia, literalmente, “estar possuído por um bom espírito”).

Para Aristóteles as éticas são compreendidas como uma introdução a mais alta de todas as artes, a Política.

 

Sobre a Política – Política e a Constituição de Atenas, esta, o último vestígio de um gigantesco estudo empreendido por Aristóteles sobre as diversas constituições das cidades gregas.

A Política, analisa a constituição da sociedade humana, processo que preside a elaboração das leis, os diversos modelos de governo, e as diversas concepções sobre a finalidade do Estado.

 

Sobre arte – arte política e arte retórica.

A política, analisa a estrutura da tragédia e mesa se encontram duas  teses fundamentais na questão da estética: a função catártica (catharis) da arte e arte como imitação (mimesis) da natureza.

A retórica estuda a arte de elaborar discursos e se relacionar com ética e a Política, pois o discurso público deverá segundo Aristóteles, colocar-se sempre a serviço do bem e da justiça.

Podemos perceber o imenso esforço de Aristóteles em abarcar com sua obra a totalidade do real revelando a ordem subjacente que rege todos os aspectos do ser e articulando-os dentro de uma racionalidade fundada sobre alguns princípios simples e universais

BIBLIOGRAFIA

FARIA, Maria do Carmo Bettencourt de. A plenitude de como horizonte do ser. Coleção Logos. Ed. Moderna, 1ª Edição.

TEXTO
FILOSÓFICO POLÊMICO

FIDE ET
RATIO

(P.P.
JOÃO PAULO II – 1.998)

RELAÇÃO
ENTRE A FÉ E A FILOSOFIA

Neste contexto o Papa João Paulo II aborda a forma sistemática, o discurso sobre o tema da relação entre a fé e a filosofia. É óbvia a importância que o pensamento filosófico tem no progresso das culturas e na orientação dos comportamentos pessoais e sociais. Ele exerce também uma grande influência sobre a teologia e suas diversas disciplinas.

O valor que a filosofia tem para a compreensão da fé, e as limitações em que aquela se vê, quando esquece ou rejeita as verdades da Revelação.

João Paulo diz que a igreja continua profundamente convencida de que fé e razão se ajudam mutuamente, exercendo uma em prol da outra, a função tanto de discernimento crítico e purificado, como de estímulo para progredir na investigação e no aprofundamento.

A história do pensamento, sobretudo no Ocidente, é fácil contatar a riqueza que sobreveio, para o progresso da humanidade, do encontro da filosofia com a teologia e do intercâmbio das suas respectivas conquistas. A teologia, que recebeu o dom duma abertura e originalidade que lhe permite existir como ciência da fé, fez seguramente com que a razão permanecesse aberta diante da novidade radical que a revelação de Deus traz consigo. E isto foi uma vantagem para a filosofia, que, assim, viu abrirem-se novos horizontes apontando para sucessivos significados que a razão está chamada a aprofundar.

O dever que tem a teologia de recuperar a sua genuína relação com a filosofia, que é conveniente para o bem e o progresso do pensamento que também a filosofia recupere a sua relação com a teologia. Nesta, encontrará não a reflexão dum mero indivíduo, que, embora profunda e rica, sempre traz consigo as limitações de perspectiva própria do pensamento de um só, mas a riqueza duma reflexão comum. De fato, quando indaga sobre a verdade, a teologia, por sua natureza, é sustentada pela nota da eclesialidade e pela tradição do Povo de Deus, com sua riqueza multiforme de conhecimentos e de culturas na unidade da fé.

Com tal insistência sobre a importância e as autênticas dimensões do pensamento filosófico, a Igreja promove a defesa da dignidade humana e, simultaneamente, o anúncio da mensagem evangélica: levar os homens à descoberta da sua capacidade de conhecer a verdade e do seu anseio pelo sentido último e definitivo da existência. À luz destas exigências profundas inscritas por Deus na natureza humana, aparece mais claro também o significado humano e humanizante da palavra de Deus, graças a mediação de uma filosofia que se tornou também verdadeira sabedoria, o homem contemporâneo chegará a reconhecer que será tanto mais homem quanto mais se abrir a Cristo, acreditando no Evangelho.

A filosofia é como que o espelho onde se reflete a cultura dos povos. Uma filosofia que se desenvolve de harmonia com a fé aceitando o estímulo das exigências teológicas, faz parte daquela evangelização da cultura que Paulo VI propôs como um dos objetivos fundamentais da evangelização. Pensando na nova evangelização, cuja urgência não me canso de recordar, faço apelo aos filósofos para que saibam aprofundar aquelas dimensões de verdade, bem e beleza, a que dá acesso a palavra de Deus. Isto torna-se ainda mais urgente, ao considerar os desafios que o novo milênio parece trazer consigo: eles tocam de modo particular as regiões e as culturas de antiga tradição cristã. Este cuidado deve considerar-se também um contributo fundamental e original para o avanço da nova evangelização. 

Ele diz que o pensamento filosófico é frequentemente o único terreno comum de entendimento e diálogo com quem não partilha a nossa fé. O movimento filosófico contemporâneo exige o empenhamento solícito e competente de filósofos crentes que sejam capazes de individuar as expectativas, possibilidades deste momento histórico.

Para quem ainda não possua a verdade plena que a revelação divina manifesta. Este terreno comum de entendimento e diálogo é ainda mais importante hoje, se pensa que os problemas mais urgentes da humanidade – como por exemplo, o problema ecológico, o problema da paz ou da convivência das raças e das culturas – podem ter solução à luz duma colaboração clara e honesta dos cristãos com os fiéis doutras religiões e com todos os que, mesmo não aderindo a qualquer crença religiosa, têm a peito a renovação da humanidade. Afirmou-o o Concílio Vaticano II: parte, o desejo de um tal diálogo, guiado apenas pelo amor pela verdade e com a necessárias prudência, não exclui ninguém, nem aqueles que cultivam os altos valores do espírito humano, sem ainda conhecerem o seu Autor, nem aqueles que se opõem à Igreja e, de várias maneiras, a perseguem. Uma filosofia na qual já resplandece algo da verdade de Cristo, única resposta definitiva aos problemas do homem, será aquela ética verdadeira e simultânea universal de que, a humanidade tem necessidade.

 

O Papa João Paulo II conclui:

Não posso concluir esta carta encíclica sem dirigir um último apelo, em primeiro lugar aos teólogos, para que prestem particular atenção às implicações filosóficas da palavra de Deus e realizam uma reflexão onde sobressaia a densidade especulativa e prática da ciência teológica. Desejo agradecer-lhes o seu serviço eclesial e entre a sabedoria teológica e o saber filosófico é uma das riquezas mais originais da tradição cristã no aprofundamento da verdade revelada. Por isso, em evidência quer com o pensamento filosófico contemporâneo, quer com toda a tradição filosófica, esteja esta em sintonia ou contradição com a palavra de Deus. Tenham sempre presente a indicação dum grande mestre do pensamento e da espitirualidade, S. Boaventura, que, ao introduzir o leito na sua obra Itinerarium mentis in Deum, convidava-o a ter consciência de que a leitura não é suficiente sem a compunção, o conhecimento sem a devoção, a investigação sem o arrebatamento do enlevo, a prudência sem a capacidade de abandonar-se à alegria, a atividade separada da religiosidade, o saber separado da caridade, a inteligência sem a humanidade, o estudo sem o suporte da graça divina, a reflexão sem a sabedoria inspirada por Deus.

O meu apelo também a quantos têm a responsabilidade da formação sacerdotal, tanto acadêmica como pastoral, para que cuidem, como particular atenção, da preparação filosófica daquele que deverá anunciar o Evangelho ao homem de hoje, e mais ainda se se vai dedicar à investigação e ao ensino da teologia. Procurem organizar o seu trabalho à luz das prescrições do Concílio Vaticano II e sucessivas determinações, que mostram a tarefa indeclinável.

Não se esqueça a grave responsabilidade de uma preparação prévia e condigna do corpo docente, destinado ao ensino da filosofia nos Seminários e nas Faculdades Eclesiásticas. É necessário que uma tal docência possua a conveniente preparação científica, proponha de maneira sistemática o grande patrimônio da tradição cristã, e seja efetuada com o devido discernimento face às exigências atuais da Igreja e do mundo.

 

Para os filósofos

Ele diz: o meu apelo dirige-se ainda aos filósofos e a quantos ensinam a filosofia, para que, na esteira duma tradição filosófica perenemente válida, tenham a coragem de recuperar as dimensões de autêntica sabedoria e de verdade, inclusive metafísica, do pensamento filosófico. Deixem-se interpelar pelas exigências que nascem da palavra de Deus, e tenham a força de elaborar o seu discurso racional e argumentativo de resposta e tal interpelação. Vivam em permanente tensão para a verdade e atentos ao bem que existe em tudo o que é verdadeiro. Poderão, assim, formular aquela ética genuína de que a humanidade tem urgente necessidade, sobretudo nestes anos. A Igreja acompanha com atenção e simpatia as suas investigações; podem, pois estar seguros do respeito que ela nutre pela justa autonomia da sua ciência. Quero encorajar os crentes empenhados no campo da filosofia para que iluminem os diversos âmbitos da atividade humana, graças ao exercício de uma razão que se torna mais segura e perspicaz com o apoio que recebe da fé.

 

Para os cientistas

Ele afirma que não pode, enfim, deixar de dirigir uma palavra também aos cientistas que nos proporcionam, com as suas pesquisas, um conhecimento sempre maior do universo inteiro e da variedade rica, complexas estruturas de átomos e moléculas. O caminho por eles realizado atingiu, especialmente neste século, metas que não cessam de nos maravilhar. Quer exprimir a minha admiração a estes valorosos pioneiros da pesquisa científica, a quem a humanidade muito deve do seu processo atual, sinto o dever de exortá-los a prosseguir nos seus esforços, permanecendo sempre naquele horizonte sapiencial onde aos resultados científicos e tecnológicos se unem os valores filosóficos e éticos, que são manifestações características e imprescindível da pessoa humana. O cientista está bem cônscio de que a busca da verdade, mesmo quando se refere a uma realidade limitada do mundo ou do homem, jamais termina; remete sempre para alguma coisa que está acima do objeto imediato dos estudos, para os interrogativos que abrem o acesso ao Ministério.

 

 

 A todos recomenda

A todos peço para se debruçarem profundamente sobre o homem, que Cristo salvou no ministério do seu amor, e sobre a sua busca constante de verdade e de sentido. Iludindo-o vários sistemas filosóficos convenceram-no de que ele é senhor absoluto de si mesmo, que pode decidir autonomamente sobre o seu destino e o seu futuro, confiando apenas em si próprio e nas suas forças. Ora, esta nunca poderá ser a grandeza do homem. Para a sua realização, será determinante apenas a opção de viver na verdade, construindo a própria casa à sombra da Sabedoria e nela habitando. Neste horizonte da verdade poderá compreender, com toda a clareza, a sua liberdade e o seu chamamento ao amor e ao conhecimento de Deus como suprema realização de si mesmo.

 

A bem aventurada Virgem Maria

O meu pensamento dirige-se para Aquela que a oração da Igreja invoca como Sede da Sabedoria. A sua vida é uma verdadeira parábola, capaz de iluminar a reflexão que desenvolvi. De fato, pode-se entrever uma profunda analogia entre a vocação de bem-aventurada Virgem Maria e a vocação da filosofia genuína. Como a Virgem foi chamada a oferecer toda a sua humanidade para que o Verbo de Deus pudesse encarnar e fazer-se um de nós, também a filosofia é chamada a dar o seu contributo racional e crítico para que a teologia, enquanto compreensão da fé, seja fecunda e eficaz. Maria, ao prestar o seu consentimento ao anúncio de Gabriel, nada perdeu da sua verdadeira humanidade e liberdade, assim também o pensamento filosófico, quando acolhe a interpelação que recebe da verdade do Evangelho, nada perde da sua autonomia, antes vê toda a sua indagação elevada à mais alta realização. Os santos monges da antiguidade cristã tinham compreendido bem esta verdade, quando designavam Maria como a mesa intelectual da fé. N’Ela, viam a imagem coerente da verdadeira filosofia e estavam convencidos de que deviam philosophari in Maria.

 

Termina dizendo:

Que a Sede da Sabedoria seja o porto seguro para quantos consagram a sua vida à procura da sabedoria! O caminho para a sabedoria, fim último e autêntico de todo o verdadeiro saber, possa ver-se livre de qualquer obstáculo por intercessão d’Aquela que, depois de gerar a Verdade e tê-la conservado no seu coração, comunicou-a para sempre à humanidade inteira.

Filosofia (do grego Φιλοσοφία, literalmente «amor à sabedoria») é o estudo de problemas fundamentais relacionados à existência, ao conhecimento, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à linguagem.[1] Ao abordar esses problemas, a filosofia se distingue da mitologia e da religião por sua ênfase em argumentos racionais; por outro lado, diferencia-se das pesquisas científicas por geralmente não recorrer a procedimentos empíricos em suas investigações. Entre seus métodos, estão a argumentação lógica, a análise conceptual, as experiências de pensamento e outros métodos a priori.

A filosofia ocidental surgiu na Grécia antiga no século VI a.C. A partir de então, uma sucessão de pensadores originais – como Tales, Xenófanes, Pitágoras, Heráclito e Protágoras – empenhou-se em responder, racionalmente, questões acerca da realidade última das coisas, das origens e características do verdadeiro conhecimento, da objetividade dos valores morais, da existência e natureza de Deus (ou dos deuses). Muitas das questões levantadas por esses antigos pensadores são ainda temas importantes da filosofia contemporânea.[2]

Durante as Idades Antiga e Medieval, a filosofia compreendia praticamente todas as áreas de investigação teórica. Em seu escopo figuravam desde disciplinas altamente abstratas – em que se estudavam o “ser enquanto ser” e os princípios gerais do raciocínio – até pesquisas sobre fenômenos mais específicos – como a queda dos corpos e a classificação dos seres vivos. A partir do século XVII, vários ramos do conhecimento se desvencilharam da filosofia e se constituíram em ciências independentes com técnicas e métodos próprios (geralmente priorizando a observação e a experimentação). Apesar disso, a filosofia atual ainda pode ser vista como uma disciplina que trata de questões gerais e abstratas que sejam relevantes para a fundamentação das demais ciências particulares ou demais atividades culturais. A princípio, tais questões não poderiam ser convenientemente tratadas por métodos científicos.